Tudo morre. Quem vive dá graças por ficar vivo, as palavras de conforto saem naturalmente. Descansa em paz, grande homem, grande mulher. São reconhecidos os feitos em vida, as conquistas, as frustrações, como se devêssemos colocar em filme de imagens aquilo que foi um contínuo. Até aqui tudo bem, o hábito assim faz as coisas. Daqueles que ficam vivos, quantos são os que se interessam pela pessoa real (a pessoa real não é a pessoa física, essa é somente aquele que associamos à pessoa real), os que pensam nessa pessoa, os que pensam nos sentimentos e conquistas pessoais intrínsecas e não demonstradas que quem morre conseguiu? Tenho esta queda para ir além do que se vê. Sei-o. As pessoas são mais do que meramente presenças físicas. A pessoa real é aquela que não vemos, mas sentimos. As atitudes são a pessoa. As palavras não ditas com sorrisos são a pessoa. As palavras não ditas em lágrimas são a pessoa. Toda a esfera a que não acedemos, meramente assistimos, é a pessoa. Eu penso como penso, para mim faz sentido. O que acharão outras pessoas, quererei mesmo saber... Não, isso seria invadir um mundo que não o meu, e não tenho permissão para isso, nem quero. Cada individualidade consigo mesma. Deixem a minha sossegada, eu faço o mesmo com a dos outros. É por estes, e outros mais, pensamentos que não consigo idealizar-me uma mulherzinha casada, feliz, com filhos, um emprego e o dinheiro contado ao fim do mês. Não digo mulherzinha com desdém, porque como visto está, cada individualidade é sozinha. Somos todos pequenos demais, então porquê reduzir-nos ao comum? A rebeldia do ser é interessante, gerem a rebelião contra a alegria do comum ser. Filhos... Não os imagino. Marido... Não o imagino. A única coisa que de momento imagino é o meu canto, o meu esconderijo das maleitas dos mundos alheios. Isto porque falava de morrer... Que a vida é curta, sabemos. Que devemos fazer tudo o que queremos, sabemos. Que devemos aprender com os erros, sabemos. Que devemos ser felizes, sabemos. Talvez seja a infelicidade a forma mais nobre de ser feliz. Já alguém o pensou antes de mim, uma individualidade muito mais inquieta que a minha. Os que morrem permanecem em nós, por terem sido mais em vida do que meros racionais. Mas e depois de nós, onde permanecem? Onde permaneceremos nós?